Começa a tocar Girls and Boys, ou é Boys and Girls? bem, Blur,
mid-nineties, no Spotify. Me transporto para um club em Londres, Camden Town,
dezembro de 94. Olhando para baixo vejo meus coturnos e as mangas do casaco de
flanela amarrado na cintura que balança enquanto eu danço. Na visão aérea do
drone da memória pareço tão feliz. parece ser a época mais feliz da minha vida.
Não era. Ou era? Eu amava, achava que amava, não, amava mesmo, o garoto na
minha frente. E, na época, não achava que era um garoto, era um homem, assim
como eu, era uma mulher, mesmo que, para citar Patti Smith, fossemos só
garotos. Eu não tenho ideia do que ele sentia por mim. Na verdade, nunca tive,
nunca soube, apesar dos 10 anos que passamos juntos. Lembro que poucos dias
depois da noite que hoje parece tão maravilhosa, na noite de 3 de janeiro, nos
despedimos na rodoviária de Londres. Sim, rodoviária, ali perto da Victoria
Station, e na despedida ele me comunicou que não éramos mais namorados e lembro
o quanto doeu. Agora, olhando do drone da memória, acho que ele tinha razão,
éramos só garotos, e eu não tinha nenhum traquejo, nenhum filtro, nenhuma
censura e lembro de ataca-lo com socos no chuveiro dias antes, tudo por conta
de uma garota italiana que nunca vi - ela era de Bérgamo? Acho que sim, apesar
de não fazer nenhuma diferença. Nos despedimos, ele entrou no ônibus para
Amsterdam, eu entrei no ônibus para Paris e não conseguia parar de chorar. Sim,
porque as meninas ricas e mimadas também choram, principalmente quando o mundo
não obedece a seus desejos. Chegamos a Dover. Ferry. E nos encontramos de novo.
Passei a viagem deitada no colo dele chorando. Ele também chorava, mas acho que
ele chorava tanto só porque achava bonito chorar, assim como acho que ele era
apaixonado pela paixão e não por mim. Bem, atravessamos assim o Canal da Mancha,
chorando, sem falar nada. Always should be
someone you really love. E me lembrei agora que foi em um outro 3 de janeiro,
8 anos depois, que ele me informou que não me amava mais.